segunda-feira, 13 de abril de 2009

Exaltação


Começa pequenino e vai crescendo com o ar que entra nos pulmões. Com o sangue que me corre nas veias e me enche o coração, mais, muito mais do que devia. Esse sangue que me rubra as faces quando menos quero, mesmo quando o vento me sopra para longe de mim. É um ardor pequenino que não sei ao certo onde nasce, como cresce e se multiplica, como ganha espaço e se aloja no seu cantinho sem que ninguém dê por ele. Juro que se alimenta de ar, de impulsos, de pulsações, de sangue, de nuvens, de tudo, mas silenciosamente. Vem quando não se espera, e eu, que já nem acreditava que ele pudesse existir, vejo-me amordaçada pela falta do ar que ele me rouba sem eu querer. Alimenta-se de mim e torna-me fraca. A mim, que me julgava minada de anti-corpos e barreiras defensivas. Vacinada e imune contra males deste calibre. Afinal, estou viva. Mas demasiadamente orgulhosa para acreditar em amor. Não quero e não posso.

Aconteceu ver-te entrar na minha vida. Aconteceu, por acaso, que estava distraída, distante, mas ouvi o barulho que fizeste ao entrar. Chegaste tu muito antes deste meu mal e, ainda assim, não vos consigo dissociar. Feliz por aparecerem, triste por quem são. Passo agora os dias sem dormir, e escassas são as horas em que me posso dar ao luxo de parar o relógio e acalmar a azáfama que trago aos meus dias. Apenas por duas razões muito simples: se fecho os olhos penso em ti, se durmo sonho contigo. Não quero e não posso.

Deixaste a porta aberta e foste tudo o que podias ser: mais do que querias e menos do que devias. O bichinho vai morrer e sou eu que o vou matar.







Ao som de: Lykke Li - A little bit

terça-feira, 10 de março de 2009

Uma casa velha


Uma casa velha e uma velha à janela. As paredes, pintadas de rosa, mostram o cimento e o tijolo escavado em pequenas e grandes crateras que dão anos à casa, tornando sujo e triste o rosa que outrora fora vivo e sóbrio. As varandas, gradeadas por uma armação de ferrugem trabalhada em formas obliquas, exibem um tom alaranjado, longe do preto de antigamente.
Nos estendais, baloiçam peças de roupa com cores sumidas, combinações e batas de modelo antigo, gastas pelos corpos e pelo tempo. Contrastando com este cenário, esvoaçam uns lençóis brancos, ali mesmo ao lado, níveos com o brilho único que o sol proporciona após a roupa corar e estar pronta a secar na corda. Cheira a sabão, cheira a limpo, cheira a velho. Cheira a flores e a campo, a galinhas e a brasas mal resfriadas. Cheira a sol e a liberdade, sente-se a essência da simplicidade.
Do outro lado da porta, cheira-se apenas a solidão. Um móvel branco comido pelo caruncho, um fogão velho e encardido, um tanque antigo com uma restia de água ensaboada, uma televisão que quase jurava não acreditar nas modernices do tecnhicolor.
E uma velha à janela, debruçada com o fio de malha grossa ao pescoço. De bata azul traçada e chinelos pretos usados, ajeita o carrapito grisalho como se trajasse de gala.
O olhar fixo no horizonte espera o padeiro. Nem a sopa ao lume, nem a ferrugem das grades, nem o caruncho da madeira, nem os buracos nas paredes, nem o vento que enrola a roupa no estendal lhe parecem importantes. A única companhia que tem, em semanas, vem lá longe, a apitar, a buzinar forte e ritmicamente, cada vez mais perto.
Ela vai comprar pão. As suas mãos ásperas e enrugadas ainda esta manhã amassaram e cozeram cinco broas de milho. Mas de que lhe serve a boca cheia de silêncio?





* Ao som de: Mew - She came home for Christmas *

domingo, 8 de março de 2009

Domingo...

" Hoje pinto-te a alma com a leveza de um suspiro. Esboço os traços do teu rosto com a agilidade que não tenho mas que sonho em roubar-te. Pego na minha paleta imaginária de cores, vazia de arco-íris e de tons quentes e frios. Pinto-te a preto em folha branca porque as tuas cores são indecifráveis e únicas. Sei as notas dos traços que faço mas não sei cantá-las para ti, não sou capaz de preencher a tela nua estendida no chão do meu sótão. Vou pintando as paredes e o tecto, desenhando formas disformes, linhas incapazes de se assemelharem ao que vejo. Eu pinto-te com o coração, não com as mãos. Dos traços ficam apenas vincos e das formas apenas a sombra. Vejo-te cada vez mais do lado errado, a passar para um lugar incerto e inseguro e é urgente (re)desenhar-te onde pertences. Dar forma a um cenário novo, o mais realista possível, onde a tinta de óleo não borre o traço a carvão e a imagem seja nitida e perceptível. Não é por veres estrelas onde só há luz, não é por teres a energia condensada no sorriso, não por teres o rigor do traço intacto na ponta de um cigarro. É por ires do lado de fora na beira da estrada.
Eu não sei desenhar-te, e não sei que raio de arte quero eu fazer de ti. "










* Ao som de: Diamonds are forever - Arctic Monkeys *

quarta-feira, 4 de março de 2009

Coisas (a)normais, dias (b)anais


Bem-vindos a este canto sem grande interesse!

Saúdo-vos, desde já, com uma foto de pessoas num ambiente festivo onde, por acaso, consta também a minha pessoa. Isto para ser uma abertura em grande.
Aproveito, já agora, para comunicar que o propósito deste blog é ser atulhado com o amontoado de palavras e frases pseudo-coerentes resultantes da minha diarreia cerebral. Um grande bem-haja e deixo-vos já com uma pequena contribuição.






" Espera-me uma rua fria. Um sol pouco luminoso espreita por um rasgo de luz que as minhas mãos permitem passar. Nunca o chão se faz sentir como as nuvens que me encobrem a claridade, mas também ele é escuro e sombrio embora se disfarce com tapetes de folhas secas e pedras brancas e pretas. O passeio é estreito e a estrada é larga; desde quando é que as máquinas têm maior privilégio que um animal pensante? É ele que conduz as máquinas, e se este não as conduzisse o passeio teria o triplo do tamanho. O caminho seria maior, seriam mais as pedras e as folhas no chão, seriam mais os animais a passear e maior a quantidade de canteiros com árvores ao longo desta subida íngreme. Seriam mais as pedras brancas que reflectem a luz do sol, seria menos o alcatrão a comer os poucos raios de luz que as minhas mãos ainda deixam passar. Mas não, espera-me uma rua fria, e o vento a subir comigo. "


Puff *