terça-feira, 10 de março de 2009

Uma casa velha


Uma casa velha e uma velha à janela. As paredes, pintadas de rosa, mostram o cimento e o tijolo escavado em pequenas e grandes crateras que dão anos à casa, tornando sujo e triste o rosa que outrora fora vivo e sóbrio. As varandas, gradeadas por uma armação de ferrugem trabalhada em formas obliquas, exibem um tom alaranjado, longe do preto de antigamente.
Nos estendais, baloiçam peças de roupa com cores sumidas, combinações e batas de modelo antigo, gastas pelos corpos e pelo tempo. Contrastando com este cenário, esvoaçam uns lençóis brancos, ali mesmo ao lado, níveos com o brilho único que o sol proporciona após a roupa corar e estar pronta a secar na corda. Cheira a sabão, cheira a limpo, cheira a velho. Cheira a flores e a campo, a galinhas e a brasas mal resfriadas. Cheira a sol e a liberdade, sente-se a essência da simplicidade.
Do outro lado da porta, cheira-se apenas a solidão. Um móvel branco comido pelo caruncho, um fogão velho e encardido, um tanque antigo com uma restia de água ensaboada, uma televisão que quase jurava não acreditar nas modernices do tecnhicolor.
E uma velha à janela, debruçada com o fio de malha grossa ao pescoço. De bata azul traçada e chinelos pretos usados, ajeita o carrapito grisalho como se trajasse de gala.
O olhar fixo no horizonte espera o padeiro. Nem a sopa ao lume, nem a ferrugem das grades, nem o caruncho da madeira, nem os buracos nas paredes, nem o vento que enrola a roupa no estendal lhe parecem importantes. A única companhia que tem, em semanas, vem lá longe, a apitar, a buzinar forte e ritmicamente, cada vez mais perto.
Ela vai comprar pão. As suas mãos ásperas e enrugadas ainda esta manhã amassaram e cozeram cinco broas de milho. Mas de que lhe serve a boca cheia de silêncio?





* Ao som de: Mew - She came home for Christmas *

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